Há muito tempo que venho tentando escrever esse livro, mas sei que as palavras são difíceis de serem ditas, quando o pensamento voa, sem asas. Não é tão simples buscar algo quando a mente já vagou no espaço, ou que muitas vezes, não quer se lembrar do que não foi tão importante.
À Terra Prometida
Eu estava todo animado, não havia dormido direito naquela noite, pensando o tempo todo naquela viagem. Sabe como é menino, não? Ao mesmo tempo que estava muito feliz por saber que sairia da vida sofrida da roça, no sertão do Ceará, ficava um pouco com medo imaginando que iria para um lugar onde só haveria bicho. Naquela noite imagino que não seria só eu que estava ansioso com todo aquele filme que estava se passando.
Não me recordo direito se nossas roupas foram colocadas em uma mala, as lembranças só marcam quando é significativo e acho que esse simples fato não foi, visto que nem muitas roupas tínhamos. Os poucos móveis que tínhamos, se é que deveriam chamar de móveis, foram todos vendidos. O guarda louça era bonito, daqueles bem antigos, com vidro nas portas. As camas eram velhas e o meu colchão era daqueles de molas, dava para brincar de ficar pulando encima dele, quando nossos pais não estavam nos observando. O quarto era pequeno, onde dormia eu e meus irmãos. Na parede havia um lugar para colocar o candeeiro e as paredes sempre estavam manchadas da fumaça.
Nessa época ainda não havia energia lá em casa. Quando saímos do Ceará, nem geladeira, máquina de lavar, micro-ondas…até o ferro de passar era à brasa. Recordo-me do primeiro televisor que possuímos. Uma pequena da marca Philco, daquelas que tem um suporte para girá-la, que mal dava para assistir alguma coisa. Não era colorida, naquela época era coisa de rico. O ano era 1995. Se a tecnologia já era avançada, eu ainda não tinha conhecimento. Minha mãe comprou uma tela que, quando colocada na frente da tela do televisor, tudo ficava colorido, até os personagens. Não era a cor real, era apenas para não ficar aquela cor obscura.
Para sintonizar a Rede Globo ou SBT, era o maior sacrifício. Do lado da casa a antena ficava muito alta e muitas vezes era preciso colocar a vara da antena encima do pé de manga. Enquanto um ficava sintonizando nos botões do televisor, outro ficava girando a vara para que pegasse algum canal. Muitas vezes desistíamos. A imagem ficava descendo e subindo rapidamente.
Às vezes eu, meu irmão e outros amigos, íamos assistir novela na casa de outras pessoas pelas redondezas. A sala ficava lotada de tanta gente. Depois no trajeto para casa só se ouvia comentário a respeito das cenas. A pior parte ao retornar às nossas casas era o peste do cachorro que ficava no meio do trajeto esperando para morder nossas canelas. Pernas para que te quero. Nunca corri tanto na minha vida igual daquela maneira.
A Roça
Todo dia cedo era hora de pegar no batente, ir à luta, ir para a guerra, ir “trampar”…fazer o que eu não gostava de fazer. Até parecia que era uma guerra: eu lutava com minha preguiça. Quando o sol apontava, já estava com a barriga cheia de café com bolacha. Minha mãe me mandava à “budega” para comprar uma quarta de bolacha. Era pesada na balança de ferro, daquelas que tem dois pratos, onde se coloca o peso em um prato e no outro o que se deseja pesar. As bolachas eram enroladas em um papel cinzento que ficava no rolo.
Depois que a barriga já estava abastecida, meu pai já amolava a enxada com uma pedra. Se dependesse de minha coragem para ir à roça, eu deixava cega. Eu era franzino, muito pequeno, só tinha cabeça, como todo cearense. Lá no nordeste não existe essa coisa de menor não poder trabalhar não. Não existe idade certa ou errada, o que existe mesmo é a roça esperando por você. Hoje agradeço a Deus por meu pai, mesmo que eu não quisesse trabalhar, colocou-me para o ofício. Nos dias atuais muitas crianças vão crescendo e virando mal infrator, pois muitos ficam o tempo todo na rua soltando pipas, ou fazendo o que os pais nem sabem o que estão aprontando.
(biografia em fase de desenvolvimento)